domingo, 28 de julho de 2013

Henka Waza de um Yakissoba – Por Cristiana Barbosa (CrisB)*

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Os contos Zen são pequenas histórias, algumas vezes até de caráter cômico, mas que sempre trazem consigo uma importante lição de vida[1]”. E este aconteceu comigo…

Era a primeira vez que estava participando de um Seminário fora do Estado. Estava atenta e aberta ao aprendizado e sentindo uma imensa responsabilidade em demonstrar toda técnica e comportamento que se espera de uma Shodan.

Ao final do treino estava exausta, mas feliz com a certeza de não ter feito “feio”. Chegou a noite e, como de costume, o jantar com o Shihan convidado, o Sensei anfitrião, o meu Sensei e vários dos participantes.

Diante da mesa enorme reservada em um restaurante chinês, sentamos… Cardápios devidamente distribuídos e com eles o grande e irritante dilema: O que pedir já que sou ovo-lacto-vegetariana? Para minha sorte havia como opção um yakissoba vegetariano. Foi então que o Sensei anfitrião perguntou se eu poderia dividir o pedido com o Shihan.

– Hai Sensei!

Imagine o inflar do meu ego? O Shihan seria também vegetariano? Eu não era mais o único ET ali, o Shihan estava comigo, uma honra!

Pedido feito, chegou o garçom com a travessa fumegante. Aproximando-se do Shihan para servi-lo, este, então, apontou para que eu fosse servida primeiro. Foi então que, para uma tímida, o pior aconteceu: todos os olhares voltaram-se para mim – não só por se tratar de uma indicação do Shihan como por ser o primeiro prato a chegar numa mesa de famintos. Essa era a hora de mostrar a etiqueta!  Agradecida, voltei-me para o Shihan e disse-lhe:

– Primeiro o senhor!

O garçom retornou ao Shihan que sorriu para mim e pediu para que eu fosse a primeira a ser servida. Não me recordo quantas vezes fizermos esse “ping-pong”. Decidida, voltei-me com energia para o pobre garçom:

– Sirva-o primeiro, pois ele é o Sensei!

Pelo recuo do rapaz tenho certeza que utilizei meu olhar e minha voz de comando devidamente aprendidos em 10 anos de pratica em outra arte marcial. De pronto ele largou a travessa ao lado do Shihan e saiu rapidamente. O Shihan fitou-me mais uma vez, sorriu e agradeceu com um sinal positivo com a cabeça.

Vencia então o “combate”. Orgulhosa e convicta de que tinha acertado a origem do movimento: o garçom. Consegui assim colocar em prática a etiqueta para com o Shihan demonstrando toda a minha disponibilidade em servi-lo perante todos os aikidokas, Senpais e Senseis presentes.

Pacientemente esperei o Shihan, que se servia calmamente… acho que não estava com muita fome… Olhei para ele quando acreditei que tinha terminado. O mesmo olhou para mim, sorriu novamente e, ao invés de passar a travessa, passou-me o prato servido por ele.

Não teve “ukemi” que disfarçasse tamanha vergonha… TODOS gargalharam com a cena e até hoje estou digerindo este yakissoba…

– Quantas vezes impomos uma técnica ao uke? Estamos realmente nos harmonizando com ele ou impondo nossa “gentileza”?

– Quantas vezes buscamos a mão ou braço do uke convictos que estamos indo à origem do movimento?

– Faço a técnica por senti-la ou para demonstrá-la?

– O que é a real gentileza, harmonia, amor? O que é o AI?

Enfim, essas são algumas das perguntas que venho “digerindo” desde o acontecido e divido-as com vocês. Talvez nunca encontre as respostas. Não importa. O que importa é que a busca por elas tem me acompanhado e modificado a cada dia a minha movimentação e as minhas atitudes.

Este ano irei novamente acompanhar Sensei James Araújo ao mesmo Seminário em João Pessoa/PB organizado pelo Sensei Rogério Paodjuenas, ministrado pelo mesmo Shihan Edgardo Novelino… Qual será o prato do dia?
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Domo Arigato Gozaimashita!