segunda-feira, 12 de novembro de 2012


Entrevista com Kisshomaru Ueshiba

por Stanley Pranin
Aiki News #30 (August 1978)
Traduzido por William Soares
O artigo a seguir foi preparado com a gentil assistência de Jason Wotherspoon da Australia.

A entrevista a seguir foi realizada em 30 de maio de 1978 em Shinjuku, Tokyo na residência do Doshu Kisshomaru Ueshiba. O tema da entrevista foi a biografia, recentemente publicada pelo Doshu, de seu pai, o O-Sensei. Aqueles que estavam presentes na entrevista eram o Doshu, o editor da Aiki News, Stanley Pranin, e o intérprete Midori Yamamoto.


Editor: Quando foi publicada a primeira edição de seu livro Morihei Ueshiba, o fundador do Aikido?
Doshu Kisshomaru Ueshiba: No final de setembro… dia 28 de setembro de 1977.

Aproximadamente quando o Sr. começou a escrever a biografia?
Eu não posso dizer com certeza quando eu comecei a escrevê-la. Já se passaram nove anos desde que meu pai faleceu. Aproximadamente dois ou três anos depois da morte de meu pai, eu comecei a organizar os materiais. Então aproximadamente no início de 1976 eu estabeleci seriamente a tarefa e pedi ajuda da editora. Eu fiz isso durante um longo período de tempo. De todo o modo, antes de eu ter ido a Hokkaido, estive em toda a Wakayama, em Ayabe e Kameoka, toda aquela área, e também acima de Tajima. Eu estive aqui e Alina procura dos traços de meu pai. Para mim, especialmente, era a primeira vez que eu estava em Hokkaido, onde eu estive na parte alta das montanhas. Eu prestei uma visita ao templo da vila de Shirataki. Mesmo as pessoas da vila não tinham conhecimento que havia uma conexão entre o templo e Morihei Ueshiba. Eu estive lá e solicitei ajuda ao líder da vila para remover os pregos – embora fosse discortês perturbar o templo – uma vez que não havia ninguém habitando lá e o templo externo estava fechado com pregos. Quando nós entramos, com bastante clareza, havia algo escrito a respeito de uma doação feita por Morihei Ueshiba em tal e tal data. Então nós descobrimos algumas informações novas e, pouco a pouco, o livro começou a tomar forma.

De acordo com o prefácio do seu livro, em Shrataki o Sr. encontrou um velho senhor que se mudou de Tanabe para Shirataki com seu pai, não encontrou? Eu imagino que o Sr. tomou conhecimento de um grande número de anedotas preciosas ao ouvir as histórias do ancião. O Sr. Poderia nos falar sobre isso?
Era um homem chamado Takeda. Ele faleceu pouco tempo depois de eu tê-lo encontrado. Meu pai organizou uma associação de colonos em Tanabe e o grupo se dirigiu para Hokkaido.. Meu pai era o líder do grupo e o Sr. Takeda era um dos membros. Ele era um rapaz, provavelmente adolescente, eu acredito. Ele se lembrava daqueles dias já que ele havia ido com meu pai e tinha compartilhado tanto as alegrias quanto as dificuldades. Depois que o Aikido se tornou popular, muitas pessoas que o praticam tomaram o caminho para Shirataki a fim de explorar as raízes do Aikido. Eles nunca falharam em buscar o Sr. Takeda para ouvirem suas histórias a respeito daqueles dias, então ele desenvolveu um estilo de contar histórias. Embora as histórias fossem repetitivas, elas eram muito interessantes.

Qual era o primeiro nome do senhor Takeda?
Se você procurar na Aiki Shimbun, você o encontrará lá… em uma das edições antigas da Aiki Shimbun.

A Shirataki de hoje ainda é pequena ou se tornou maior?
Shirataki hoje se encontra em processo de se tornar uma área despovoada. Como qualquer desenvolvimento futuro, bem, pode ser difícil…eu acredito que a população esteja diminuindo. A geada começa em setembro ou no início de outubro, então é um lugar bem frio. No entanto, é um lugar muito agradável. Inclusive com primaveras quentes. Eu estive lá por volta de setembro e graças ao chefe do vilarejo, o líder do conselho e alguns dignitários do vilarejo ofereceram um banquete em minha homenagem. Foi realmente maravilhoso.

Eles ofereceram ao senhor uma grande recepção, não é mesmo?
Sim, eles certamente ofereceram. Nas histórias que mencionei antes, que o Sr. Takeda me contou, ele me mostrou o terreno que pertenceu ao meu pai. Ele disse que o meu pai cultivava uma grande porção de terra que ele havia comprado do governo. De acordo com ele, meu avô, que foi durante muito tempo um membro do conselho do vilarejo de Tanabe, estava bem de vida. Foi por isso que meu pai, o Fundador do Aikido, pode agir como lhe agradava e foi para Hokkaido com o apoio do dinheiro de meu avô.Takeda me disse, “o seu avô era um grande homem. Por causa disso o seu pai era livre para desenvolver o aiki como ele fez. O seu avô deu ao seu filho todo o dinheiro que ele precisava”. Eu já havia ouvido essas coisas antes, mas foi a primeira vez que as ouvi de alguém que tinha conhecimento real sobre elas. Quando eles viajaram de Tanabe para Hokkaido eles partiram de Aomori pela via barca Kampu (atualmente barcas Seikan). Não havia estrada de ferro para Shirataki. Você tinha que ir de Asahikawa na direção de Abashiri para chegar até lá. Então eles utilizaram carruagens puxadas por cavalos. Ele me contou várias histórias a respeito das dificuldades como no dia em que a carruagem ficou atolada na neve quando os cavalos ficaram agitados. Eu acredito que as coisas devem ter sido muito difíceis naqueles dias.

O senhor alguma vez visitou Hokkaido com seu pai?
Não, nunca. Essa foi a primeira vez que eu estive em Hokkaido.




Sei.
Meu pai esteve em Hokkaido antes de eu nascer. Depois ele deixou Hokkaido, eu nasci em Ayabe, na prefeitura de Kyoto. Ele nunca visitou Hokkaido novamente. No entanto, ele foi para Mongólia depois disso, em torno de 1924 e durante a guerra ele foi para a Manchúria. Ele também foi para o Hawaii depois da guerra, mas ele nunca retornou a Hokkaido.

O-Sensei visitou Mongólia e Manchúria. Ele também esteve em Pequim?
Sim, ele esteve. Ele foi para Pequim, mas não era como a Pequim dos dias de hoje. Isso foi há muito tempo, por volta de 1940 ou 1941 e foi por volta de 1924 ou 1925 que ele visitou a Mongólia. Isso foi realmente há muito tempo. A área era infestada por bandidos. Aqueles eram realmente tempos difíceis.

Certamente eram. No seu prefácio o Sr. menciona que o O-Sensei desejou que o Sr. escrevesse a sua biografia o quanto antes. O Sr. poderia falar um pouco a respeito disso, por favor?
Há duas ou mais biografias escritas sobre o meu pai. Mas sempre os autores têm se atido aos seus pontos de vistas subjetivos. As biografias contêm algumas passagens que foram, de certo modo, dramatizadas. Então meu pai me pedia com freqüência que eu escrevesse uma biografia acurada com base em materiais que pudessem ser comprovados. No entanto, era difícil para mim, começar a trabalhar em uma biografia enquanto o meu pai ainda estava vivo, então eu adiei essa tarefa. Depois da passagem de meu pai, eu considerei essa uma tarefa urgente, mas eu não poderia realizá-la imediatamente. Bom, isso levou cerca de oito ou nove anos. Eu acredito ter escrito ter escrito o livro tendo o máximo de material possível. Eu acredito que existem pessoas que vêem Morihei Ueshiba de muitas maneiras diferentes, cada uma de acordo com a sua própria imagem. No entanto, esta biografia foi gradualmente construída baseada em materiais acurados e, além disso, utilizando as coisas que eu vi e ouvi como um núcleo.

É realmente um livro excelente. Embora o Sr. tenha reunido e arranjado o material previamente, o Sr. escreveu o livro em pouco menos de um ano, então eu imagino que tenha havido um período de um ou dois meses no qual o Sr. tenha se deicado completamente ao livro.
Sim, a biografia levou algum tempo para ser escrita. Eu escrevi no total cerca de 11 ou 12 livros sobre técnicas de Aikido. Este deve ser o 12o livro. Dentre os livros que escrevi, o primeiro, que eu escrevi cerca de vinte anos atrás, entitulado Aikido, e este último foram os que me tomaram mais tempo. O primeiro livro que eu escrevi também me tomou bastante tempo.

Porque que é importante para aqueles que aspiram aprender Aikido, estudar a biografia de O-Sensei, ou para colocar de uma outra maneira, o caminho que o Fundador caminhou?
Eu acredito que é uma coisa muito boa estudar Aikido, ou tomar a decisão de estudar Aikido e continuar a praticar seja porque você acha que o Aikido é uma coisa maravilhosa, ou porque você considera o Aikido exatamente adequado para as suas necessidades. E eu acredito que é adequado e necessário praticar tendo em mente a origem do Aikido. No entanto, hoje você geralmente encontra pessoas que desistem após terem experimentado apenas um pouco. Eles não têm idéia do que seja o Aikido. Se as pessoas acham que Aikido é meramente movimentar os braços e as pernas e se isso começa a se desenvolver em uma forma que carrega pouca semelhança com o Aikido original, isso seria terrível. Isso feriria o Aikido. Então é importante se dar conta das dificuldades que Morihei Ueshiba teve que enfrentar para criar a sua arte. Não estou dizendo que o aspecto físico do Aikido não seja importante. No entanto, o principal não é apenas mover os seus braços e pernas. É uma questão de espírito, uma questão de coração. Se esse treino espiritual não se expressa nos movimentos do corpo, então, não é algo verdadeiro. É errado pensar que você está praticando Aikido porque você pode lançar o seu oponente ou nocautear o seu oponente ou porque você é forte.

Por exemplo, no Judo e no Karate há pessoas fortes. Também há pessoas fortes no Sumo. No Aikido, também, há pessoas fortes. No entanto, o verdadeiro aiki não é meramente ter um corpo forte, não se trata simplesmente de força muscular. Se trata da unificação entre corpo e mente. Se não se cultiva um espírito que se mantenha imperturbável qualquer que seja a crise, quaisquer que sejam as circunstâncias, então a pessoa não pode ser forte o bastante. Então se alguém pratica entendendo como O-Sensei criou o seu caminho, sob que perspectiva de humanidade, de vida que ele deixou, então essa pessoa não irá interpretar mal o verdadeiro caminho do Aikido como este deve ser. É por isso que eu gostaria que todos lessem com afinco coisas como esta biografia.

Tem mais uma coisa que eu gostaria de dizer especialmente. Há muitas pessoas que idolatram Morihei Ueshiba como “todo poderoso” ou como um kami (um ser divino). Eu acho que isso pode ser uma coisa boa uma vez que inspira o treino árduo. No entanto, uma vez que ele é um ser humana, ele não pode ser todo poderoso. Então, eu acredito que a coisa mais importante no Aikido é cultivar sua própria individualidade, ou antes, as suas melhores características individuais através de seu próprio treino no aiki, tendo compreendido os esforços realizados pelo Fundador para construir o seu caminho aiki.

No primeiro capítulo de sua biografia o Sr. também menciona o fato de que é perigoso considerar O-Sensei como um kami e sua técnicas como sendo divina.
Bem, de certa maneira, suas técnica era uma “técnica divina”. Isso era verdadeiramente inacreditável. No Japão, geralmente, se acredita que o kami habita em tudo. O Shinto Japonês não é monoteísta. Então, nesse sentido, naturalmente O-Sensei é um kami das artes marciais. Até ai tudo bem, é uma maneira de ver. Mas eu acho que é extremamente perigoso considerar alguém como sendo “todo poderoso”. Isso pode ser levado ao extremo como foi feito durante a “Grande Guerra do Leste da Ásia” (Segunda Grande Guerra) quando o Japão se considerou uma nação divina. O que é importante não é aquele tipo de atitude, mas s dar conta da verdadeira natureza do Aikido mantendo em mente os percalços do Fundador, Morihei Ueshiba Sensei, a fim de forjar o seu caminho e como ele pavimentou o caminho para nós.


Fonte: http://aikidoitn.blogspot.com.br/2012/04/entrevista-com-kisshomaru-ueshiba.html; 

SEGUNDA-FEIRA, 2 DE ABRIL DE 2012

quarta-feira, 29 de agosto de 2012


Quando Aikido não é Aikido?

Texto enviado por Arthur Brant, Aizen Dojo - ITN
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Vou começar essa postagem parafraseando o colega Werley Machado no seu texto Onde está a defesa pessoal no Aikido”, postado no dia 30 de maio de 2011: 
num dia desses, no Aizen Dojo, euestava participando de uma aula “teen” quando vi um de nossos amigos falando pro outro “aqui no dojo a gente faz assim... mas na rua, faz assado!”.
Bom, não sou instrutor do ITN, mas comosempai da turma achei que o episódio merecia uma rápida intervenção: disse apenas para ele não se preocupar com “a rua”, bastava ele se concentrar em desempenhar a forma adequada da técnica ensinada (achei que sermões demasiadamente longos são papel do instrutor da turma e retomamos os treinamentos). Naquele momento, me incomodou ver um garoto de cerca de 12 anos de idade tentando prever ou medir sua reação (ou violência!) numa possível situação de crise. Não me pareceu o propósito do treinamento despertar esse tipo de questionamento por parte dos seus praticantes, sobretudo uns tão jovens.
Esse texto que compartilho hoje me chamou a atenção pois começa a debatendo a eterna discussão da efetividade marcial (ou ao menos, arranhando essa discussão) e esbarrou nesses argumentos sobre o uso do aikido “na rua”.


Contudo, assim como ele esbarra nesse tema, me surpreendeu como esbarra em vários outros susceptíveis de valiosas reflexões: qual nossa percepção sobre as diferentes escolas de aikido? Como encaramos essas diferenças? Treinos suaves x treinos vigorosos? Ego x amor e compaixão? Busca exterior ou interior?


Enfim, acredito que esse texto trará diferentes percepções e reflexões em cada leitor, espero que proveitosas. Compartilhe a sua.
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Quando Aikido não é Aikido?
David Lynch
Aikido Journal #120

Traduzido por Arthur Brant, Aizen Dojo - ITN

“Discussões sobre a ‘efetividade marcial’ do aikido são constantes nos boletins da internet. Infelizmente, muitas postagens mostram uma ignorância abismal das premissas sobre as quais a arte foi fundada, na medida em que fazem comparações com vários outros sistemas de luta.

Aikido não é um sistema de luta, mas um modo de não-luta, planejado não para proteger ou engrandecer o ego; mas para, potencialmente, erradica-lo. Seu valor está na promoção de valores diametricalmente opostas aquelas advogadas para uso ‘na rua’.




Falando por mim mesmo, somente no dia em que eu tiver de enfrentar uma situação de vida ou morte será o momento certo para provar a efetividade, ou falta dela, do meu aikido. Eu nunca tive que usar técnicas físicas fora do dojo em 40 anos de treinamento, assim, não perderei meu sono por causa disso.

Certamente deve-se lutar pela melhoria, é sempre um desafio tentar executar uma técnica com um pouco mais de suavidade e elegância. Mas qual é o ponto delirante sobre as inadequações do aikido contra okickboxeluta livre ou briga de rua? Há bastante material para estudar aikido tal como ele é, sem recorrer ao treinamento cruzado de outras artes, ou preocupar-se com qual escola perdeu o enredo e nos deixou com uma versão aguada e ineficiente do aikido. De qualquer forma, você só pode aprender com outros até certo ponto, assim, não pode culpar o sistema por suas próprias deficiências.

A efetividade é conquistada a um preço e, quanto mais eu vejo aqueles que alegam tê-la atingido no aikido, ou em outras áreas da vida, mais empatia eu sinto pelas pessoas comuns que não possuem grande ambição de serem supereficientes ou efetivos. No melhor das hipóteses, essa atitude é irrelevante; na piore delas, destrutivo e deprimente.

Para ser apreciado, aikido precisa de ‘espaço’, ou seja, no campo espiritual, na profundidade psicológica, estética, compaixão e diversão. Sem falar do amor! (Parece haver um acordo tácito para não falar de amor em discussões de efetividade marcial, o que é curioso sob o ponto de vista da importância que O-Senseideu a isso, e na sua insistência de que o amor era a essência do aikido).

Não que a ‘efetividade espiritual’ do aikido seja mais fácil de ser provada objetivamente do que qualquer argumento técnico. Ao menos, não há nada garantido. Contudo, eu não estou convencido que a inabilidade de alguém para realizar uma técnica, por exemplo, a forte pegada de morotetori do estilo Iwama, testemunha uma ausência de desenvolvimento espiritual. O link entre espírito, mente e corpo é mais complicado que isso.



A curva de aprendizado é longa, e pode-se razoavelmente esperar que se passe a vida inteira nela sem poder gabar-se da plena iluminação com aikido ou sem aikido. Esta não é uma razão para abandonar o esforço e praticar o aikido com um objetivo espiritual em mente, a efetividade técnica em si, já é um bom começo.

Enquanto isso, os benefícios para saúde, para mente, assim como os físicos, amplamente justificam um treinamento sério e regular sem a necessidade de se fixar na efetividade marcial ou se deixar intimidar por aqueles que tem essa fixação. Como aikido é uma busca individual, a escola na qual você se engaja é importante apenas na medida em que lhe for conveniente e é inútil tentar confrontar uma escola contra a outra.

Para mim, a exposição ao contraste dos métodos de ensino de KisshomaruUeshiba, Koichi Tohei, Gozo Shioda, Kenju Shimizu e outros durante minha estada prolongada no Japão me forçou a buscar quaisquer princípios comuns que pudesse encontrar. Eu tentei manter a porta aberta para o novo conhecimento, sem cair no bairrismo ou sectarismo.

Mas conhecimento não é sabedoria. Conhecimento é obtido por meio dos sentidos, que não podem e nunca foram destinados a nos dizer nada sobre a verdade do universo. É possível que perseguir mais e mais o conhecimento técnico o leve mais longe do objetivo do aikido, ao invés de mais próximo dele.

Eu ficava um pouco aborrecido quando escutava pessoas dizendo que um ou outro dos vários estilos que eu estava praticando ‘não era aikido’ (aparentemente, esta expressão para denegrir circulava pelo Japão). Enquanto eu estava disposto a admitir que minha própria interpretação pode deixar muito a desejar, me parece incrivelmente arrogante para qualquer um denegrir as maiores escolas de aikido do Japão com esse tipo de observação depreciativa.

As principais escolas foram estabelecidas, afinal, por mestres que tinham passado por um longo aprendizado com o fundador, e que dedicaram suas vidas ao aikido. Depois de um tempo, tornou-se óbvio para mim que o comentário, "aquilo não é aikido" era superficial e sem sentido, e com tempo eu já tinha ouvido isso de cada uma das principais escolas. Isso não me aborrece mais.

No entanto, tal declaração pode facilmente desencorajar novos estudantes que lutam para compreender uma versão particular da arte, assim, sugiro que eles retornem as palavras de O-Sensei na busca de aconselhamento sobre o assunto:

‘O fracasso é a chave do sucesso; cada erro nos ensina algo. Seja grato mesmo por dificuldades, retrocessos e pessoas más. Lidar com tais obstáculos é uma parte essencial do treinamento.’ (Extraído de ‘A Arte da Paz’, de John Stevens)

Em relação à própria definição de O-Sensei do Aikido, é provavelmente verdade que o que estamos praticando não é ‘aikido’, independentemente do sistema de treinamento que nós seguimos. A este respeito estamos todos no mesmo barco, todos nós temos um longo caminho pela frente, como fica óbvio a partir de palavras de O-Sensei (citando novamente o livro de John Stevens):

‘Há muitos caminhos até o topo da montanha, mas há somente um cume – o amor’.

‘No instante em que você se fixa no certo e no errado dos seus companheiros, você cria uma abertura no seu coração para a malícia entrar. Testar e competir com eles, e criticando os demais, irá enfraquece-lo e derrota-lo.’

‘Vocês estão aqui para apenas um propósito, que é perceberem sua própria divindade e manifestarem sua iluminação inata.’

Aikidocas veteranos continuam a criticar seus companheiros em outras escolas e alegam que há apenas a sua forma de atingir o topo da montanha, apesar deles mesmos claramente não terem alcançado o cume.

Eu tenho considerado os diferentes sistemas de treinamento (o que todas as escolas são, uma vez que cada indivíduo precisa criar seu próprio aikido) como complementares em larga escala, e trato cada uma como uma peça do grande quebra-cabeças.

Por exemplo, as bases do Yoshinkan (kihon wasa e kihon dosa) constroem uma boa fundação para os treinamentos orientados pelo movimento. No Yoshinkan, ficamos treinando uma técnica por mais de uma hora e um vasto número de movimentos de solo, tai no henko. Contudo, não há menção ao relaxamento, e oKi é visto em termos de concentrar tudo que tem naquilo que está fazendo, sem verbalização disso como um conceito.

O uke deve realizar um ‘ukemi limpo’ e o nague deve executar uma ‘técnica limpa’. É entendido que não há competições, então nada é ganhado quando você bloqueia ou testa seu parceiro. Quando indivíduos falham em atender seus conselhos, as coisas podem rapidamente degenerar num feio teste de força, como poderiam fazer em qualquer dojo, quando os princípio do aikido são ignorados.

Eu gostei dos treinamentos na Aikikai Hombu pela velocidade, variedade e pelos treinos relativamente leves que são conduzidos lá. Cada sensei tem sua abordagem levemente diferente, mas no geral, havia mais movimento do que na Yoshinkan. Quando fui pela primeira vez lá depois de meu internato na Yoshinkan Hombu, as pessoas estavam literalmente correndo em círculos ao meu redor. Depois de algum tempo, eu me acostumei a isso e entrei na dança.

Se é verdade que Kisshomaru Ueshiba reduziu o número de técnicas que seu pai ensinou, então sou grato a ele, pois parece que sobrou mais do que o suficiente. O Doshu Kisshomaru demonstrava um vasto repertório de técnicas diferentes em uma única aula. Quantas mais você quer?

Enquanto eu posso entender porque alguns consideram os ataques encontrados na Aikikai geralmente mais suave e atemis às vezes menos realista do que em outros lugares, não tenho a certeza que o argumento se sustenta sob análise. Quem pode dizer que um soco poderoso que pode quebrar-lhe os dentes é mais efetivo (no contexto de treinamento no dojo) que um gesto das mãos ou um toque intencionado a alertar o uke para a abertura de um possível atemi?

Alguns certamente podem argumentar que a idéia de um ataque completamente comprometido seria muito mais realista do que a versão suave, dado o fato de que nenhum atacante competente no mundo real poderia anunciar sua intenção e seguiria em ataque tão óbvio. Ele seria o mais malicioso e desonesto possível. Não que eu seja contrário ao treino com ‘atitute’, apenas acredito que ataques potentes não são mais realistas, como preparação da realidade, do que um gesto com as mãos – bom, ao menos não muito mais. (Eu não digo isto para iniciar uma discussão, mas para ilustrar a futilidade de discutir assuntos tão claramente relativos).

Kenji Shimizu da Tendokan dizia que devemos ‘encontrar as técnicas dentro do movimento’ e isso me parece uma abordagem sensata. O tempo perdido na concentração de um soco ou na força para segurar poderia ser melhor aproveitado no aprendizado de como mover-se, se o movimento é seu objetivo. Mas há, certamente, espaço para ambas abordagens.

Os exercícios de desenvolvimento do Ki de Koichi Tohei me pareceram ótimos para aquecimento, aumento do equilíbrio e da concentração. A quase completa ausência de lesões no Ki Society é por si um testemunho positivo de seu método de treino, a não ser que é claro, que se tenha pervertido o significado do aikido para contar lesões como evidências de efetividade. Eu não aceito as críticas de que os ensinamentos de Tohei são superficiais, com ele sempre dizia para não aceitarmos seus princípios intelectualmente, mas que possamos trabalha-los por nossa conta através do treinamento.

Aqueles que ridicularizam o treinamento do Ki geralmente possuem pequena ou nenhuma experiência no sistema de Tohei, embora eu ouso dizer que suas próprias críticas à outras escolas (nas quais ele não é o único) tenha atraído muito da artilharia direcionada ao seu caminho.

Eu me lembro de um incidente engraçado numa comemoração do dojo quando alguém perguntou a Tohei se ele poderia mover a xícara de chá com seu Ki. ‘Certamente eu posso’, respondeu ele e se esticou até alcançar a xícara com sua mão. ‘Mente e corpo são um só’, complementou ele. Que eu me lembre, ele nunca alegou conseguir lançar alguém apenas com seu Ki, desacompanhado de seu corpo.

Evidentemente, cada sistema de treinamento poderia afirmar que é completo por si só, e eu não estou necessariamente advogando pela mistura de todos eles. Apenas minhas próprias circunstâncias têm me levado a fazer isso até certo ponto. Aparentemente isso tem funcionado para mim e para meus alunos também. Nenhum grande desastre parece acontecer quando encaramos cada diferente sistema como parte de algo maior.

Temos que observar as diferentes personalidades dos grandes senseis para indentificarmos de onde vem o que fazem. Talvez uma área em que falhamos no Ocidente é no tempo que esperamos que esse processo leve. Os japoneses parecem mais confortáveis com a idéia de passar muitos anos, senão décadas em apenas uma escola antes que você possa compreende-la adequadamente.

É uma lástima quando o rank ou outras questões ‘políticas’ forçam os alunos a fazer uma escolha entre diferentes abordagens, ao invés de aceitar sem prejuízo o que cada uma tem a oferecer. As pessoas deviam se considerar sortudas se elas encontram um tipo de treinamento que se adequa ao seu temperamento.

Um mapa teórico do ‘temperamento marcial’ (‘MT Chart’ de Lynch, patente pendente) com Madre Teresa a Leste e Mike Tyson a Oeste, pode ser útil para mostrar as personalidades e temperamentos extremamente diferentes que existem por ai, e para ajudar alguns a decidir onde estão na linha. Contudo, uma mapa desses seria muito errôneo se aplicado sem a referencia filosófica de O-Sensei. Ele seria unidimensional e tedioso como a maioria das teorias sobre efetividade. Deve haver uma linha adicional Norte-Sul representando o potencial humano do indivíduo – uma teia espiritual para uma trama física e emocional.



Há um caminho a ser seguido se queremos buscar os objetivos do aikido, o qual não é diferente dos objetivos de nenhum dos ensinamentos seriamente preocupados com a evolução mental e espiritual do homem. O objetivo é um conhecimento unitivo dos princípios divinos, uma intuição direta da realidade espiritual e da consciência da relação entre o homem e o universo. É descobrir quem somos.

Evidentemente, quanto mais há do ego individual, menos haverá desse conhecimento profundo. O que explica porque, ao querermos ser fortes e proteger nossos egos, fazemos pouco progresso no amor e compaixão. Ao invés de reconhecermos nossa ignorância do que realmente importa e fazermos algum esforço – por menor que seja – para corrigir isso, nós desperdiçamos nosso tempo discutindo aspectos técnicos, atolados no materialismo.


Buscamos no exterior maneiras mais efetivas de lutar ou de nos defendermos, ao invés de buscar no interior uma hipótese mais apropriada na busca original do ‘Caminho da Harmonia’.

No final, nós tendemos a alcançar aquilo que procuramos.”

TERÇA-FEIRA, 23 DE AGOSTO DE 2011



sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Kamizar e Kamidana

Parece que há alguma confusão entre as denominações kamiza kamidana que, às vezes, são utilizadas indistintamente mas que designam elementos, embora relacionados, totalmente diferentes.

kamiza ou shomem é o lado principal da área de treinamento de um dojo e pode conter, entre outros elementos,um kamidana, a foto do fundador e uma caligrafia emoldurada. Alguns dojos costumam colocar também flores um conjunto de armas do sensei ou ainda fotografias que ilustrem sua linhagem de treinamento, desde seu mestre imediato até o doshu ou fundador do seu estilo de aikido.


Segundo o site Japão Tradicional, a expressão kamidana quer dizer literalmente a base onde fica o kami(divindade) e deve conter apenas os pertences relacionados ao altar, como um shinden, que significa "a casa do kami" e é uma pequena réplica de templo budista/shintoísta.



Fonte: http://onegai-blog.blogspot.com.br/2009/06/kamiza-e-kamidana.html ; Quarta-feira, Junho 17, 2009

segunda-feira, 9 de julho de 2012


Entrevista com Mitsugi Saotome - parte 02


por Stanley Pranin
Aiki News #90 (Winter 1992)
Traduzido por Christiaan Oyens

Nesta segunda metade de uma entrevista dividida em duas partes, o fundador das Aikido Schools of Ueshiba (Escolas de Aikido de Ueshiba), Mitsugi Saotome continua falando sobre a sua abordagem de treinamento e o papel do Aikido como defesa pessoal. Ele também fala de seu sonho em criar uma “Universidade de Aikido” e nos apresenta a sua interpretação da mensagem de O-Sensei.

Tenho recebido as respostas mais contraditórias para esta pergunta. O senhor acha q o treinamento forte deve ser ministrado já a partir do nível principiante?
Isto depende da idade do iniciante. É difícil precisar o que é treinar forte e o que não é. Se você diz para alguém de 60 anos para treinar forte do início, ele não irá conseguir e também não é necessário. Esse tipo de pessoa fisicamente tem muita experiência, portanto ela não precisa despender energia desta maneira. Os jovens são por natureza, muito agressivos e você deve fazê-los treinar de forma vigorosa. Tentar frear pessoas jovens cheias de energia não irá funcionar. Eu, portanto, prefiro fazer com que os jovens treinem de forma vigorosa para que consumam sua energia. Mas, isto não é tudo. É melhor cansá-los depressa. O sentido de fazê-los treinar forte é para que tenham consciência dos seus limites físicos. É por isso que os faço treinarem forte e tento esgota-los fisicamente.

Existem alguns instrutores que encorajam o treinamento leve desde o começo. Após três ou quatro anos treinando assim, o Aikido acaba se tornando um tipo de dança. Aí as pessoas começam a questionar se realmente podem usar o que aprenderam.
Não corresponde pensar que se alguém faz os dois tipos de treinamento ele poderá usar as técnicas de Aikido. Por exemplo, existem métodos suaves e fortes aplicados à escultura. Você pode esculpir pegando algo duro e com muito esforço mudar essa forma para criar uma escultura, e você também pode criar uma forma usando material suave como o barro.

Durante o período do Aiki Budo, as técnicas tinham mais ênfase na defesa pessoal do que na maneira que o Aikido é praticado hoje em dia?
Acredito que sim. Mas o principal foco de todo o sistema de treinamento do Aikido é a defesa pessoal. Todas as artes marciais são praticadas com o propósito de defesa pessoal. Não existe nenhuma arte marcial que não esteja baseada no aperfeiçoamento da defesa pessoal. Porém, a coisa maravilhosa do Aikido é que nele se inclui tanto a “autodefesa do oponente” quanto a nossa autodefesa. Nós temos que proteger a vida do inimigo. Ambos são tipos de autodefesa.

Para conseguir isto acho necessário ter autoconfiança.
E você acha que a autoconfiança vem de onde?



Acho que a vivência é necessária de certa maneira. Para dar um simples exemplo, quando eu era menino e ouvia um barulho muito alto, meu corpo reagia com medo e meus ombros se elevavam. Agora sinto esta reação no meu estomago. Acho que deve ser um dos resultados do meu treinamento com o Aikido.
Isto é um exemplo. Mas não importa se existe algum desgaste quando o assunto é alguma arte marcial ou assuntos militares. Estes são úteis em tempos de infortúnio ou calamidade.

Houve um julgamento em Nova Iorque recentemente envolvendo um incidente no metrô onde um senhor atirou em cinco homens e o veredicto foi de que não se tratou de defesa pessoal. O foco da questão foi se realmente era necessário matar pessoas cuja resistência foi vencida no momento em que houve o primeiro disparo. Um exemplo: ele poderia ter atirado nas pernas deles.

A maneira de se pensar sobre defesa pessoal nas sociedades americanas e japonesas é completamente diferente. Na América, qualquer um pode andar armado com um revolver, portanto o grau de inquietação de uma pessoa andando por lá, comparado a alguém andando pelo Japão é completamente diferente. Não existe nenhuma outra cidade que seja tão segura quanto Tókio. Se a sua única preocupação for defesa pessoal, você pode ir a uma loja de armas e comprar um revolver. Você não precisa se importunar com nikyo ou sankyo.

Creio que a razão pela qual seja tão difícil espalhar as artes marciais na América é relacionada à sua historia de uma nação fundada por colonizadores. As pessoas que colonizaram a América já possuíam revolveres. Nunca lutaram com lanças ou espadas. Porém, o povo da Europa e Ásia tem experiência com artes marciais que não incluem armas de fogo. Se perguntarmos por que França, um país típico europeu tem uma predileção pelas artes marciais, isto é porque a apreciação pelas artes marciais faz parte de sua história. Mas este não é o caso com a América. Eu acho que os americanos desejam entender artes como o Karate ou o Kung-fu como algo sobrenatural, não creio que eles realmente tenham respeito por elas como artes marciais.

Qual é o valor destas técnicas num mundo moderno? Qual é a importância de espalhá-las?
Bom, o propósito do Aikido é de se aprender um conceito ou uma maneira de pensar. É um caminho para se aprender uma filosofia. São necessárias para os professores. Diferentes professores explicam a mesma técnica de formas diferentes. No processo de explicarem a mesma técnica, alguns professores criam gorilas e outros criam criaturas mais humanas. Não se trata de problemas criados por organizações, e sim o que cada professor pensa. Isto é algo muito importante. Quero deixar bem claro; eu não acho que O-Sensei era forte de alguma forma sobre-humana. Fisicamente ele era muito forte e havia coisas que só ele conseguia fazer. Porém, o que foi fantástico sobre O-Sensei foi que o mundo que ele visionava é possível para todos. Não o respeito apenas como artista marcial. Não posso ser como O-Sensei, seria uma tentativa fútil, mas posso sim estudar a sua visão do mundo treinando Aikido. É maravilhoso que o Sensei tenha concebido este mundo particular. Isto é algo possível até para mim. Não possuo a força física para desarraigar uma arvore com cinco ou seis polegadas de diâmetro como O-Sensei fazia, portanto não posso imitá-lo. Se for só disso que estamos falando, então apenas se tratava de um homem de grande força física. Não admiro O-Sensei pela sua dimensão física. Eu o respeito porque creio que o que ele pensava, o que visionava, era maravilhoso, e como a sua mensagem era algo esplendido para o mundo se tornar. A finalidade das técnicas é de se criar um método de aprender este tipo de pensamento; é uma forma de estudo e treinamento.

Isto é o que eu penso e a minha forma de explicar é muito diferente dos outros professores. O meu ikkyo não é grande coisa e sou um mero ser humano. O-Sensei dizia, “Qualquer um pode se tornar um santo.” A interpretação de um santo japonês e um santo ocidental é um pouco diferente, mas O-Sensei desenvolveu um tipo de auto-ensino ou um sistema de educação pública; um método de treinamento onde qualquer um pode alcançar um nível elevado através do misogi (purificação). Sob um ponto de vista histórico, isto é algo precioso.

Em muitos livros O-Sensei é retratado como um super-homem, mas isto não era seu objetivo original, embora eu ache maravilhoso alguém possuir este tipo de poder.

Creio que um dos atrativos de O-Sensei era a sua força. Porém, na América existem dojos onde ocorrem ferimentos.
Tenho muito cuidado em relação a ferimentos quando leciono na América. Isto não é apenas um assunto físico. É possível destruir a vida de uma pessoa. Por exemplo, pegue a vida de um músico famoso ou um cirurgião, ou um datilógrafo que chega e deseja aprender Aikido ou de estudar sobre o espírito do Aikido. Você pode se dar o luxo de destruir os dedos desta pessoa? Quebrar os dedos desta pessoa ou fazer com que ela fique incapacitada de usar seus dedos seria equivalente a destruir a sua vida ou de arruinar o seu sustento. Seria a mesma coisa do que matá-la. Talvez esta pessoa possa vir a ganhar a vida fazendo outra coisa, mas isto pode destruir sua razão de viver. Isto seria o equivalente a cometer um crime. Isto não iria tirar a vida desta pessoa, mas por outro lado, seria um crime tirar de uma pessoa a sua razão de viver.

Uma vez tive uma péssima experiência. Estava treinando na aula de certo professor e ele aplicou um ikkyo extremamente forte nos meus ombros ao forçá-los contra seu joelho enquanto ele me imobilizava. Depois não consegui comer sem assistência. Eu ganhava a vida datilografando e não podia trabalhar. As lesões levaram seis meses para sararem. Fiquei pensando depois sobre onde reside a responsabilidade quando um ato desses acontece.
Realmente não consigo responder isso, mas posso lhe apresentar o que penso a respeito. Isto é algo que jamais pode acontecer. É uma questão moral. Se você vai trabalhar como um profissional você não pode de forma alguma fazer algo assim. Se você é um professor profissional, você tem que ter a segurança de não causar lesões independentemente do rigor do treinamento que você impõe. Se você não possui pelo menos este tipo de controle, você não pode se considerar um profissional. Há uma diferença entre um acidente e algo que é feito de forma consciente ou intencional. É uma questão ética da pessoa que se propõe a ensinar uma arte marcial.

Se algo assim ocorresse em seu dojo, o senhor assumiria a responsabilidade mesmo que não tivesse pessoalmente causado a lesão?
É claro. Mas, na América, em relação ao tema da minha responsabilidade, não assumo a responsabilidade quando a pessoa executando uma queda comete um erro ou quando alguém não segue as instruções do professor e ocorre algum equívoco. Eu tenho a maior prudência quando estou ensinando algum faixa preta. Isto é uma questão moral. Você abre e opera um dojo e se você não tem morais o dojo torna-se uma selva. Quem você pagaria para lhe instruir? Isto é um comportamento antisocial. Não seria a mesma coisa que vender drogas? Algumas pessoas entendem que usar drogas destrói as pessoas, mas mesmo assim ainda as vendem. Isto é um comportamento anti-social e constitui um crime.


QUARTA-FEIRA, 8 DE FEVEREIRO DE 2012

segunda-feira, 25 de junho de 2012


Entrevista com Mitsugi Saotome - parte 01


Aiki News #89 (Fall 1991)
Traduzido por Christiaan Oyens
Este artigo foi preparado graças à ajuda de Jim Sorrentino dos Estados Unidos.

Mitsugi Saotome Shihan é muito conhecido nos Estados Unidos como o fundador do Aikido Schools of Ueshiba (Escolas de Aikido de Ueshiba). Nesta primeira metade de uma entrevista de duas partes, Saotome Shihan recorda seus quinze anos como uchideshi no Hombu Dojo, relata suas impressões sobre O-Sensei e discute sua abordagem para o treinamento com armas.

Aiki News: Poderia nos contar um pouco sobre o seu background em Aikido?
Saotome Sensei: Eu pratiquei Judo quando estudava na escola secundária. Fui enviado ao Kuwamori Dojo com uma carta de apresentação do meu professor de Judo porque ele achava que o Aikido seria bom para mim. Foi assim que fui introduzido ao Aikido. Quem estava dando aula naquele momento era o Seigo Yamaguchi Sensei. Eu era maior do que sou agora e pesava uns 90 kilos. Eu estava acostumado a ganhar competições de Judo em Tókio. Após a aula, Yamaguchi Sensei mandou que eu agarrasse seus dedos. No instante que eu os agarrei ele me arremessou. Não entendi como aconteceu e pensei que tivesse tropeçado em algum dos tatames. Pedi então que ele fizesse isso de novo. Acho que fui arremessado umas quatro ou cinco vezes. Ele me arremessou com seus dedos e também quando agarrei os seus ombros. Foi assim que fui iniciado nesta arte. Depois da aula conversei com o Yamaguchi Sensei e com o Kuwamori Sensei não só sobre artes marciais, mas também sobre vários assuntos como a filosofia oriental. Fiquei muito feliz com isso, pois estava ansioso para discutir estes temas. Ainda respeito Kuwamori Sensei e fiquei muito impressionado com o Yamaguchi Sensei. Então entrei no dojo enquanto seguia a minha prática do Judo.

Isto ocorreu após o retorno de Yamaguchi Sensei de Burma?
Não, isto foi antes de sua ida. O Kuwamori Dojo foi o primeiro dojo sucursal Aikikai após a guerra. Naquela época, o Doshu de Aikido Kisshomaru Ueshiba visitava o nosso dojo, nós o chamávamos então de “Wakasensei”. Pensei que ele seria um típico adepto das artes marciais, mas ele na realidade parecia um professor de universidade e era muito cortês ao falar. Ele me impressionou com os seus modos de cavalheiro. Fiquei surpreso com as suas mãos fortes e grossas. Ele era muito diferente dos professores de Judo. Falei com ele sobre vários assuntos e vim a apreciar o Aikido mais ainda.

Naqueles dias o Wakasensei ainda trabalhava na Companhia de Seguros Osaka. Eu treino Aikido desde aquele tempo. Shoji Nishio também estava presente. E Nobuyoshi Tamura tinha começado três meses antes de mim. Isto aconteceu há uns 37 anos [ca. 1954]. Desejava me tornar um uchideshi, mas isto só foi acontecer em 1961. Naqueles dias Tamura também trabalhava fora, mesmo sendo um uchideshi. Não era como hoje em dia que o dojo paga salários para seus professores jovens.

Quando conheci O-Sensei pela primeira vez eu cursava a escola secundária. Eu pratiquei no antigo Hombu Dojo. O dojo não era sujo, mas os tatames estavam bastante desgastados. O-Sensei, com sua barba branca, estava batendo papo com seus alunos. Não tinha a menor idéia naquele momento de quem era O-Sensei. O-Sensei falou comigo primeiro me dando as boas vindas enquanto as pessoas em sua volta aparentavam muita tensão. Fiquei bastante perplexo e senti um frio na espinha. Não sei se você pode chamar isto de um despertar espiritual, mas eu estava em estado de choque. Naqueles tempos eu pessoalmente visitava professores de diversas artes marciais, não só de Judo, mas todos eram muito diferentes de O-Sensei. O-Sensei tinha sessenta e poucos anos e era muito nobre. Foi uma oportunidade incrível para mim conhece-lo naquele momento. Ele me impressionou profundamente e me fez sentir que poderia abandonar tudo para ficar sob sua tutela.

Era o Wakasensei quem ministrava o maior número de aulas naquela época?
Wakasensei ensinava a aula matinal e depois seguia para o seu trabalho. Yamaguchi Sensei era quem dava o maior número de aulas.

Naquela época já existiam as aulas de manhã e à noite?
Exatamente. Mas não haviam tantas aulas no começo. O número de aulas cresceu gradativamente. Naqueles dias eu participava da aula das 8:00 às 9:00 que geralmente era dada por O-Sensei. Se apareciam dez alunos, o presente Doshu comentava como a aula estava cheia. Ele era jovem ainda. Me lembro que praticávamos kakarigeiko (treino contra ataques contínuos) como o Doshu. Hoje em dia o Aikido é conhecido, mas naquela época muita gente perguntava o que era o Aikido até mesmo em Tókio.

Quando eu era um uchideshi, O-Sensei me repreendia como muito mais freqüência do que aos outros. Eu fui um uchideshi durante mais de 15 anos e foi provavelmente por isso que ele achava mais fácil me repreender. Eu fazia o tipo desajeitado, enquanto que os outros uchideshi eram muito mais rápidos para aprender. Fui o último a permanecer como uchideshi. Em minha opinião, enquanto O-Sensei viveu a arte mudava ano após ano e estava sempre evoluindo. Eu queria observar como O-Sensei se desenvolvia. Foi por isso que fui o uchideshi que mais tempo ficou! [risos]



Aprendeu espada com O-Sensei?
Nos velhos tempos os shihan se revezavam ensinando aos domingos. Acho que O-Sensei ficou entediado um dia e disse, olhando no escritório, “Quem está aí, Saotome?” Ele me disse para trancar a porta e fechar as janelas, e eu fiquei imaginando ele estava pensando. Aí, ele me mandou pegar um bokken. “Este é um kata de espada para o uso numa luta de verdade,” ele disse e me mostrou. A sua maneira de pensar era bem antiquada. Ele tinha me mandado fechar as janelas para que ninguém lhe visse. “Você jamais se tornará um mestre,” ele disse [risos]. Eu não entendia nada. Aquele kata era um pouco diferente dos kumitachi. Ele me mostrou o kata rapidamente num espaço de 5 minutos.

Anos atrás, quando assisti o senhor treinar, Sensei, percebi que o senhor estava usando o que acredito que era a espada de bambu da Yagu-ryu. Ainda a usa nos seus treinos?
Todos os meus alunos usam. A razão pela qual uso a espada de bambu da Yagu-ryu é porque se usamos o bokken para aprender os básicos da espada e os kata, podemos machucar nossos dedos e por isso ficar com medo. Se formos golpeados por um bokken vamos nos machucar. Portanto, evitamos nos golpear. Já, se usarmos uma espada de bambu nos sentimos muito mais seguros, porque ao receber algum golpe não iremos nos machucar. Mesmo que venhamos a sentir alguma dor, não iremos quebrar nenhum osso. Então, iremos adquirir um grau de destreza com muita rapidez. Se usarmos um bokken, com certeza iremos ficar tensos. Se usarmos uma espada de bambu, podemos relaxar e praticar sem medo. Mais tarde podemos usar o bokken. Assim os alunos podem dominar o ken e os kumitachi. Porém, se treinarmos sem a menor chance de lesões, o treino poderá se tornar muito casual. Temos que ter o maior cuidado ao segurar a espada para evitar lesões. De alguma maneira não somos capazes de desenvolver o verdadeiro sentimento do kumitachi. Acaba se tornando um mero kata. Você não é capaz de harmonizar o seu ki de nenhuma maneira. Portanto, peço para os meus alunos usarem o bokken depois de terem algum domínio da espada. É uma maneira de se treinar passo a passo.

Morihiro Saito Sensei, por exemplo, organizou os movimentos de jo e ken que ele aprendeu com O-Sensei. Como são os kumitachi que o senhor desenvolveu para as “Aikido Schools of Ueshiba” (Escolas de Aikido de Ueshiba)?
A maneira de O-Sensei ensinar variava de acordo com a situação. As pessoas que foram ensinadas por O-Sensei executam o jo e o ken de formas diferentes. Como a espada de O-Sensei era a espada de Aikido, fica difícil de compreender. Você tinha que acompanha-lo de perto. Era necessário que você sistematizasse seus ensinamentos. Quando assisti a demonstração de ken e jo de Morihiro Saito Sensei no Friendship Demonstration, pensei, “Sim, O-Sensei ensinou isto também”. Mas de alguma forma era diferente. Saito Sensei organizou bem o que lhe foi ensinado. Meu método de espada e a forma de executar os kumitachi também são diferentes. Isto acontece porque as nossas experiências são diferentes.

SEGUNDA-FEIRA, 2 DE ABRIL DE 2012